A caixa de bombons vinha olhando para mim de forma estranha... Tentava evitar que nossos olhares se encontrassem porque, nas duas vezes em que isto ocorreu, tive a nítida impressão que ela, a caixa de bombons, tinha piscado para mim. Juro! E não foi uma piscadela assim, sem maiores nuances, sem maiores consequências, foi uma piscadela lasciva, carregada de segundas intenções. Era como se a piscadela, traduzida, dissesse: "vem me comer..."
Entretanto, sabia que não poderia ceder àquele imperativo da natureza. Reconhecia o apelo fortíssimo de sua forma, sua cor, vermelhinha como a paixão, do seu conteúdo recheado de tentações... Mas, como poderia aventurar-me assim em algo destinado a outra pessoa? Seria desrespeitar quem desejamos ter por meio e graça de uma declaração substanciada naquela caixa de bombons. Como seria chegar para aquela, a quem pretendia presentear com os bombons, e declarar o que ia em meu íntimo, se já a tinha traído "comendo-lhe" os bombons? Seria uma nódoa em meu caráter! A maior das ignomínias! Não, haveria de resistir e resistiria, pois, "sou bravo, sou forte, sou filho do Norte; meu canto de morte, guerreiros, ouvi"!
Nos limites de minhas convicções, dentre estas a certeza de que homens de verdade não traem, resisti com as forças de minha alma à encarniçada luta dos apelos sensoriais. Assim, como um nauta à deriva, como o que não se amarrou ao mastro e, portanto, não soube resistir ao canto das sereias, eis que cedi. Violentei tua embalagem e penetrei fundo nas promessas de tuas delícias, encharcando-me de prazer...
No fim, eu estava saciado e você - como acontece às fêmeas que se entregam aos machos que as atraem, esperando deles mais do que eles podem dar - sentia-se vazia, como se tivessem te roubado tudo o que tinhas de mais valioso: o teu conteúdo.
Ailton São Paulo