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PAX ET CONCORDIA

PAX ET CONCORDIA
Pedro Américo

HISTÓRIA PARA NINAR PRINCESAS

Naquela manhã ele a esperou em frente à saída da faculdade. Passara a noite em claro, dentro dele um misto de determinação e hesitação. Entretanto, no fundo, bem no fundo de sua alma, ele sabia que precisava dizer a ela o que sentia. Precisava, de alguma forma, saber se ela também sentia o mesmo, haja vista as trocas de olhares nos corredores da faculdade.
Vindo de família pobre, órfão de pai, a mãe precisando ainda trabalhar como diarista para compor o orçamento doméstico e pagar as contas, ele entendia a diferença de classes. Sabia que ela vinha de família classe média alta, com pai juiz e mãe médica, ambos vivos, dedicados a ela que, apesar de não ser filha única, mas a caçula de três filhos, gozava da condição de única filha, uma vez que os outros dois filhos eram já maiores e senhores da própria vida. Portanto, apesar de não ser filha única, era a única filha. Vestia as melhores roupas e calçava os melhores sapatos, dirigia seu próprio carro, presente dos pais quando ela logrou aprovação no vestibular. Frequentara os melhores colégios e carregava em torno de si uma "aura" de delicadeza que a tornava ainda mais bela.
Os olhos, de um verde esmeraldino, eram emoldurados por longas madeixas louras e lisas. Cada fio que compunha sua cabeleira longa pareciam da mais pura seda. Acariciá-los, pensou ele, seria como tocar o imponderável, sentir o indescritível, e tão fortemente amaria cada gesto dela, que sua vida dedicá-la-ia a tornar cada milésimo de segundo daquela existência uma eternidade prenhe de amor e paixão. Amava-a, pois, mais que a si mesmo.
Ainda envolto em seus pensamentos - quase delírios - mal percebeu quando uma multidão de estudantes assomou à porta do edifício que abrigava a instituição de ensino onde ambos estudavam. Dentre esta multidão, ele a viu. A mais bela de todas, vinha acompanhada de mais três amigas. E a ele pareceu tratar-se de uma princesa precedida de suas damas. Quando ela desceu a metade das escadarias que davam acesso ao edifício, ele aproximou-se dela e, quase sussurrando, disse:
- Posso falar com você?
Ela cortou o sorriso que descobria seus belos dentes, olhou-o por um instante e, por fim, respondeu:
- Claro. Vai demorar?
- Não, ou sim, não sei... - As mãos dele tremiam, um frio percorreu-lhe a espinha e um suor vindo da alma fez umedecer suas mãos. E ele percebeu, pelo sorriso quase imperceptível no canto dos lábios, que ela sentiu, mais do que intuiu, o que ele queria lhe falar.

- Pode falar... Disse ela.
- Sabe o que é? - Tentou iniciar.
- Diga... - Insistiu ela.
- Bem... Sabe... Há muito quero te falar isto... Mas me faltava coragem... Mas meu curso está acabando e preciso te falar... Não sei qual será sua atitude, qual será sua reação, mas preciso te falar...
- Fale então... Preciso ir logo, tenho um compromisso e já estou atrasada... Vou fazer melhor: você está interessado em mim, gosta de mim e veio me dizer isto... Acertei?

Ele não sabia o que dizer, atônito, mal conseguia situar-se. Ela continuou:
- Vou ser franca com você: não vai rolar! E não vai rolar por uma série de motivos. Entretanto, o principal deles é que sou uma mulher cara! Tenho hábitos caros, estou acostumada a uma vida com conforto e satisfação dos meus desejos, por mínimos que sejam. Sei que você está se formando, será um excelente economista, não tenho dúvidas disto. Mas sei também que o máximo que você conseguirá será a aprovação em algum concurso público, uma estabilidade vitalícia e uma aposentadoria modorrenta. E, definitivamente, não quero isto para a minha vida. Desculpe, mas estou sendo sincera.
Dito isto, ela despediu-se dele e seguiu com as amigas, deixando-o parado no meio daquela escadaria agora quase vazia.
Oito longos anos se passaram desde aquele único encontro nas escadarias da faculdade. Oito longos anos!
Ela estava achando a festa da multinacional em que seu marido era o diretor de finanças absolutamente impecável. Tudo, da comida à bebida, simplesmente pairava sobre qualquer crítica depreciativa que se pudesse fazer. Aproveitava o instante em que o marido estabelecia relações institucionais com outros executivos, para observar. Passeava os olhos pelo amplo salão quando viu alguém que julgou conhecer... Aproximou-se dele.
- Oi... Desculpa, mas já te vi antes... Você é gerente do buffet?
Ele riu e respondeu:
- De certa forma, acho que sou.
- Que bom! - Respondeu ela. 
- Como você está? - Perguntou ele.
- Estou bem... Estou casada com um dos principais executivos da empresa que contratou os serviços do teu buffet. Meu marido ganha quatrocentos mil reais por mês, mais bônus e outras vantagens. Lembra do que falei com você? Desculpa se pareço fria e insensível, mas sou assim, sincera e prática. Não está zangado com o que lhe disse a oito anos atrás, está?

Ele riu um riso discreto e respondeu:
- Acredite, não tenho mágoas...
- Que bom!

Enquanto conversavam, o marido dela aproximou-se dos dois e, de forma efusiva, deu um abraço naquele que fora colega dela na faculdade.
- Querida, vejo que já conhece o meu amigo...
- Sim... Nos conhecemos sim... - Respondeu ela.

A situação era por demais constrangedora e aquele que um dia tinha sido rejeitado pela jovem rica e absolutamente "sincera" resolveu pedir licença e sair, deixando o casal a conversar. O marido, eufórico, vira-se para ela e, apontando para o homem que acabara de sair, diz:
- Que coincidência você conhecer o presidente, para a América Latina, da empresa que trabalho.
Ela deixou seu riso morrer e, entre atônita e incrédula, perguntou:
- Você disse o que?
Ele riu da reação da mulher e repetiu:
- Ele é o presidente, para a América Latina inteira, da empresa onde trabalho... Isto mesmo, ele é o meu chefe! E quer que lhe diga uma coisa - aproximou-se dela em tom de confidência - o salário dele, ao que especula-se dentro da empresa, é de mais de três milhões de dólares, mais bônus e as vantagens, como viajar no jatinho da companhia e ter casa paga.
Ela estava como que paralisada... Em sua confusão mental, a tez branca como mármore e as mãos transformadas em iceberg, só conseguia balbuciar:
- Quanto ele ganha?
E o marido, sorrindo, repetiu:
- Mais de três milhões de dólares por mês... e mais bônus e vantagens...
Neste instante, a taça de champanhe que ela segurava, do mais puro cristal, escorregou das mãos dela e foi chocar-se contra o piso do salão, desfazendo-se em mil pedaços. O que era uma pena, uma vez que não se pode reconstituir o cristal quebrado... Nem o cristal e nem as escolhas feitas no passado.


Ailton São Paulo

UM RIO CANTA SUA FÚRIA




Sinto-me sufocado, rendido
Às minhas margens restos poluídos
De um modo de vida sem regras
Como chagas tristemente abertas.

Minhas águas já não correm tão livres
Apunhalam-me diariamente, açoitam-me
Como se eu fosse feito de um triste
Modo que a todos desse o direito de escorraçar-me.






Aberto e esquecido jamais se dignam de olhar-me
Fico como se não existisse, um nada tolerado
Na azáfama tremenda de um povo ingrato
Fio de água sem serventia, todos a ignorar-me.

Toleram-me, este povo, mendigo que sou
Nenhum respeito possuem a quem lhes deu raízes
Às minhas margens o ato, fato que ficou
Ruas inteiras de escarro, urina e meretrizes.

Destroçaram minhas matas ciliares,
Já não possuo margens para expandir minha alma
Me deixaram com o resto de um leito base
Roubaram-me, até mesmo, o encanto de um espelho d'água.

Meu sangue esverdearam, me poluíram
Já não efluem de mim agradáveis odores
São aqueles fétidos cheiros das muitas dores
Que me impõem um povo ainda corrompido.

Não se dão conta que estou morrendo aos poucos
Humilhado, perdido, sufocado, cansado, melancólico
Deveria encantar, ser amado, e não lama de porco
Chafariz de vermes, cama de dejetos sólidos.

Sob um céu de luz intensa me ponho a orar
Rogo à deusa das estações que a subverta
E em pleno verão há frio e a água a jorrar
Lembra ao povo que há força maior e que não se esqueça.

Então, lembram-se eles que existo e lhes dei a vida
Minhas águas tomam deles minhas margens invadidas
Revigoro-me uma vez mais, forte, bravo, cabeça erguida
Cavaleiro a ceifar ruas, casas, sonhos e histórias esquecidas.

Estarrecidos ficam e se lembram que simplesmente existo
Sou o que lhes deu o nome, a origem, mas que já existia
Sou filho de uma deusa que é senhora do tempo, e isto
É a razão pela qual minhas águas transbordam de agonia.

Agora, pois, voltam a se lembrar que sou Rei
Que não podem me sufocar e ser o que fique
Apenas a esperar que tenham o respeito ao muito que lhes dei
Porque, por todo o tempo, sempre e tanto, serei o majestoso Rio Jacupipe.


Ailton São Paulo

SONETO DE OUTROS SONS

Há um canto estranho no peito
Feito de maviosos tons
Como orquestra que com jeito
Assume inteira todos os sons.

Dizem ser as batidas apressadas
De um coração imperfeito e que insiste
Em desejar amores de outras amadas
Sob pontes iluminadas por uma lua triste.

E não entendem a sinfonia tocada
Percebem-na como barulho apenas
No máximo serenata, nota pequena.

E uma poesia se revela personificada
Em notas de uma melodia composta
Que faz reviver aquela esperança outrora morta.


Ailton São Paulo

SONETO DA PROCURA

Vou te procurar em algum instante
Ainda que não saiba quando nem como
Ainda assim, vou te procurar incansavelmente
Mesmo que me perca em uma subtração que somo.

Muitas as dores, visões dantescas do nada
Mas, ainda assim, quanta vontade de te viver
Uma forma sempre única e não notada
De felicidade sem estar ou ser.

Não atino nem atento para as palavras
Um vento que sopra as leva embora
Embora seja aquilo do que falava.

Porque te procuro amor na forma
Não tenha te encontrado no conteúdo
Idealizado, foges por ser pequeno, miúdo.


Ailton São Paulo

TROPEIROS POBRES DE SÃO PAULO

TROPEIROS POBRES DE SÃO PAULO
JB Debret

BATALHA DO RIACHUELO

BATALHA DO RIACHUELO
Vítor Meireles - Óleo Sobre Tela

MORTE DE MOEMA (Vítor Meireles)

MORTE DE MOEMA (Vítor Meireles)
Óleo sobre tela inspirado no épico "Caramuru", de Frei José de Santa Rita Durão